segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Diário de um dissidente



Da teologia da morte (do corpo) para a teologia da vida (do corpo)



A moral judaico-cristã é castradora, impositiva, heterônoma e alienadora. Sua origem reside naquele que é o maior representante da cristandade – O apóstolo Paulo. Desde Paulo e posteriormente Agostinho de Hipona, o corpo, a nudez, a sexualidade, a paixão, o desejo, a libido devem se submeter a uma rigorosa moral para a garantia de uma eternidade com Deus no céu. Caso o ser humano não se submeta a esta moral estará condenado ao inferno de fogo, que implica no sofrimento e separação eterna.
Daí, podemos levantar duas questões: a primeira, é que na literatura bíblica encontramos várias referências em que o corpo, a nudez, a paixão, o desejo e a libido são considerados como expressões e pulsões da vida humana. Por exemplo – nos livros de Cânticos dos cânticos e Eclesiastes. No primeiro, o corpo, a nudez, a paixão e o desejo são expressos de forma clara e vívida como uma emanação humana, demasiada humana, em que o prazer de viver a vida esta no aqui e no agora, sem nenhuma restrição externa, heterônoma. A vida é celebrada no corpo, com o corpo, através do corpo e para o corpo. Em Eclesiastes não encontramos uma teologia sobre uma vida além desta. Não existe o conceito de céu e inferno e uma recompensa após vida, ou seja, eterna. O que existe é a ideia de viver a vida como uma dádiva e emanação divina, desfrutar da mesma, tirar um máximo dela, mesmo em meio às intempéries que a existência impõe, porque depois da morte não existirá uma consciência do que foi feito. Significa dizer que não haverá um julgamento eterno por causa das ações do corpo.
A segunda questão implica sobre o conceito de céu e inferno. Ambas são frutos de uma teologia tardia influenciada pela teologia grega que será posteriormente aperfeiçoada, transformada em uma nova roupagem que permeará o imaginário judaico e cristão da literatura neotestamentária. Temos aí a gênese de várias correntes hermenêuticas e teológicas que formará o pensamento dos primeiros cristãos sobre antropologia humana, ou seja, do corpo.
O pensamento Paulino foi formado segundo a literatura cristã sobre a influência farisaica que era extremamente moralista, além dela, encontramos traços ascéticos da teologia gnóstica que é fruto da filosofia platônica dos dois mundos. Quando cristão Paulo introduziu sutilmente o moralismo e ascetismo numa imagem cristã totalmente distorcida do Cristo dos Evangelhos. O corpo e suas pulsões devem ser submetidos rigorosamente a uma lei que em nada tem de interior, mas externa, que posteriormente será canonizada como: bíblia sagrada.
Agostinho na mesma linha de Paulo vai dar continuidade a este processo de demonização do corpo não só pela influência Paulina, mas pelo gnosticismo do maniqueísmo. Doravante, o corpo e todas as suas pulsões serão retratados na literatura cristã como um mal, cujas paixões devem ser suprimidas e domesticadas, caso contrário, estarão sob a condenação eterna – o inferno.
O que se percebe na moral judaico-cristã é uma tentativa de manipular o corpo e todas as suas pulsões a um estado de reclusão, repressão e dormência sobre a égide de uma eternidade com Deus em que todos aqueles que se abstém dos prazeres do corpo serão recompensados. O que distorce completamente a antropologia do corpo e de suas pulsões como celebração da vida e do prazer de viver.
Na esfera cristã atual, o fundamentalismo religioso é a maior expressão de uma teologia que condena e abomina as pulsões do corpo e do prazer. Para estes homicidas e agoureiros da morte, o corpo precisa ser mortificado, significa dizer que o corpo deve ser submetido à tortura, ao flagelo, castigado, atormentado por alguma razão de ordem moral, psíquica e espiritual, aborrecido, desprezado, desprovido de vida, de vigor, de intensidade, em nome de um porvir, de um céu com Deus.
A teologia da vida que advogamos é aquela que celebra a vida, o corpo, o prazer, a nudez, a sexualidade, a paixão, o desejo, a libido, o vigor, a intensidade ou parafraseando as palavras do Cristo: viver a vida e viver com abundância, isto é: Viver a vida no corpo, com o corpo e para o corpo de maneira extrema, excessiva e transbordante.
Edson Pereira