Da teologia da morte (do corpo) para a teologia da vida (do corpo)
A
moral judaico-cristã é castradora, impositiva, heterônoma e alienadora. Sua
origem reside naquele que é o maior representante da cristandade – O apóstolo
Paulo. Desde Paulo e posteriormente Agostinho de Hipona, o corpo, a nudez, a
sexualidade, a paixão, o desejo, a libido devem se submeter a uma rigorosa
moral para a garantia de uma eternidade com Deus no céu. Caso o ser humano não
se submeta a esta moral estará condenado ao inferno de fogo, que implica no
sofrimento e separação eterna.
Daí,
podemos levantar duas questões: a primeira, é que na literatura bíblica
encontramos várias referências em que o corpo, a nudez, a paixão, o desejo e a
libido são considerados como expressões e pulsões da vida humana. Por exemplo –
nos livros de Cânticos dos cânticos e Eclesiastes. No primeiro, o corpo, a
nudez, a paixão e o desejo são expressos de forma clara e vívida como uma
emanação humana, demasiada humana, em que o prazer de viver a vida esta no aqui
e no agora, sem nenhuma restrição externa, heterônoma. A vida é celebrada no
corpo, com o corpo, através do corpo e para o corpo. Em Eclesiastes não
encontramos uma teologia sobre uma vida além desta. Não existe o conceito de
céu e inferno e uma recompensa após vida, ou seja, eterna. O que existe é a
ideia de viver a vida como uma dádiva e emanação divina, desfrutar da mesma,
tirar um máximo dela, mesmo em meio às intempéries que a existência impõe,
porque depois da morte não existirá uma consciência do que foi feito. Significa
dizer que não haverá um julgamento eterno por causa das ações do corpo.
A
segunda questão implica sobre o conceito de céu e inferno. Ambas são frutos de
uma teologia tardia influenciada pela teologia grega que será posteriormente aperfeiçoada,
transformada em uma nova roupagem que permeará o imaginário judaico e cristão
da literatura neotestamentária. Temos aí a gênese de várias correntes
hermenêuticas e teológicas que formará o pensamento dos primeiros cristãos
sobre antropologia humana, ou seja, do corpo.
O
pensamento Paulino foi formado segundo a literatura cristã sobre a influência
farisaica que era extremamente moralista, além dela, encontramos traços ascéticos
da teologia gnóstica que é fruto da filosofia platônica dos dois mundos. Quando
cristão Paulo introduziu sutilmente o moralismo e ascetismo numa imagem cristã
totalmente distorcida do Cristo dos Evangelhos. O corpo e suas pulsões devem
ser submetidos rigorosamente a uma lei que em nada tem de interior, mas
externa, que posteriormente será canonizada como: bíblia sagrada.
Agostinho
na mesma linha de Paulo vai dar continuidade a este processo de demonização do
corpo não só pela influência Paulina, mas pelo gnosticismo do maniqueísmo.
Doravante, o corpo e todas as suas pulsões serão retratados na literatura
cristã como um mal, cujas paixões devem ser suprimidas e domesticadas, caso
contrário, estarão sob a condenação eterna – o inferno.
O
que se percebe na moral judaico-cristã é uma tentativa de manipular o corpo e
todas as suas pulsões a um estado de reclusão, repressão e dormência sobre a égide
de uma eternidade com Deus em que todos aqueles que se abstém dos prazeres do
corpo serão recompensados. O que distorce completamente a antropologia do corpo
e de suas pulsões como celebração da vida e do prazer de viver.
Na
esfera cristã atual, o fundamentalismo religioso é a maior expressão de uma
teologia que condena e abomina as pulsões do corpo e do prazer. Para estes homicidas
e agoureiros da morte, o corpo precisa ser mortificado, significa dizer que o
corpo deve ser submetido à tortura, ao flagelo, castigado, atormentado por alguma razão de ordem moral, psíquica e
espiritual, aborrecido, desprezado, desprovido de vida, de vigor, de intensidade,
em nome de um porvir, de um céu com Deus.
A teologia da vida que advogamos é aquela que celebra a vida, o
corpo, o prazer, a nudez, a sexualidade, a paixão, o desejo, a
libido, o vigor, a intensidade ou parafraseando as palavras do Cristo: viver a
vida e viver com abundância, isto é: Viver a vida no corpo, com o corpo e para
o corpo de maneira extrema, excessiva e transbordante.
Edson Pereira