Epicuro e as dimensões da vida
Introdução
Nas
linhas a seguir apresentaremos algumas dimensões do pensamento do filósofo do
jardim, a saber – Epicuro. Filosofia onde as dimensões existenciais da vida
encontram um lugar concreto, imanente. Nela felicidade é saúde adquirida pelo
cultivo da filosofia que se estende a todas as idades. A fé não é uma
especulação na esteira de conceitos, linguagens catafáticas e exclusivistas. A
morte é apenas uma privação de nossas sensações que em si não é um mal ou bem,
em razão disto podemos encarar a morte sem medo, mas com serenidade e
liberdade. O prazer é despido de toda repressão demônica e devem ser buscados
para uma vida feliz a partir dos desejos inerentes a existência humana.
I.
Filosofia
para o cultivo da felicidade
Embora
à filosofia etimologicamente possa ser definida como amor ou amizade a
sabedoria. No pensamento filosófico é perceptível a amplidão do seu
significado. Segundo Epicuro a filosofia podia ser definida como: “uma
atividade que por discursos e raciocínios, nos proporciona uma vida feliz” (EMPIRICO,
Apud, ANDRÉ, 2001, p. 7). Na carta a Meneceu, Epicuro orienta seu pupilo para
que este tenha a filosofia como primazia em sua existência. Que não tenha medo de
se dedicar a ela. Até porque não se dedicar a filosofia é se privar da
felicidade, ou seja, adiá-la. A filosofia deve ser cultivada e desenvolvida em
toda a nossa existência. Motivados por uma razão que é encontrarmos às bases
para uma vida feliz (EPICURO, 2002, p. 21).
Por
ser uma atividade racional e por isso segura, à filosofia torna-se útil para
vida do ser humano, tanto na juventude como na velhice. Ela proporciona saúde e
vitalidade de espírito, com ela o velho fica jovem – sua memória é restaurada.
O jovem não tem preocupação ou ansiedade com o amanhã, ou seja, medo do futuro,
por isso cultiva o presente buscando a felicidade (EPICURO, 2002, p. 21, 23).
II.
Filosofia
para uma fé não distorcida
Na
religião existem três coisas intrigantes. Primeiro, ela é um fenômeno
universal. Segundo, é um fenômeno remoto, desde as origens da humanidade a
religião está presente. Por último, a religião é atual. Por isso da antiguidade
até hoje ela é tema de diversas questões: éticas, morais, sociais, científicas,
teológicas e filosóficas.
Nos
dias de Epicuro não foi diferente, existiam diversas formas de se conceber o
Divino. E algumas delas foram repelidas do jardim filosófico de Epicuro.
Escrevendo para Meneceu exalta à divindade com dois adjetivos: imortalidade e
bem-aventurança, que em razão disso não podiam ser equivocadamente interpretadas
(EPICURO, 2002, p. 23).
Na
carta podemos pelo menos constatar duas distorções da fé que estão entrelaçadas.
A primeira: é sobre como os deuses eram definidos. Os religiosos da época
tinham uma imagem equivocada dos deuses. Estes eram definidos como: sádicos,
tiranos e controladores. A segunda que é fruto da primeira criara: uma
comunidade que poderíamos chamar de exclusivista e fundamentalista. Nesta
comunidade só podiam comungar aqueles que aceitassem seus ensinamentos teológicos
com exclusividade. Em outras palavras, não poderiam fazer parte daquela
comunidade religiosa pessoas que tivessem o pensamento diferente do que era
considerado correto pelo grupo. Isto implicava em aceitar sua teologia como a
única forma autêntica e verdadeira, o contrário seria heresia. (EPICURO, 2002,
p. 25, 27).
III.
Filosofia
para morrer com serenidade e liberdade
A
morte é um enigma para a humanidade. Sua origem pode ser definida como um
processo natural de desintegração biológica ou segundo a teologia cristã como
consequência de um pecado primevo que se instalou na humanidade. Para André
Comte-Sponville (2002, p. 47,48) a morte é um mistério que os filósofos ao
longo da história sempre procuram dar uma resposta que pode ser sintetizada em
dois âmbitos: primeiro, à morte é vista como um nada e segundo, à morte é
interpretada como uma passagem para outra vida.
Podemos
incluir o pensamento de Epicuro na lista daqueles que interpretam a morte como
um nada. Ele define a morte como privação das sensações. Por isso não podemos
fazer nenhum juízo sobre ela. O bem e o mal são manifestações de nossas
sensações e morrer é estar destituído delas. Epicuro concluiu que a morte não
existe. Primeiro, pelo fato de estarmos vivos, ela está ausente, e segundo,
quando ela está presente, estamos ausentes. Nossa atitude em relação à morte
não pode ser de desespero, fuga ou medo, mas de indiferença, de algo que não
existe e se acostumar com essa ideia (EPICURO, 2002, p. 27, 29,31, 33 e 47).
Podemos
nesta mesma linha de pensamento assinalar que a filosofia nos dá duas perspectivas
sobre a morte: uma serena e outra libertadora. Serena porque “é preciso pensar
a morte para amar melhor a vida – em todo caso, para amá-la como ela é: frágil
e passageira –, para apreciá-la melhor, para vivê-la melhor (...)” (ANDRÉ,
2002, p. 53). Libertadora por que:
Meditar
previamente sobre a morte é meditar previamente sobre a liberdade. Quem
aprendeu a morrer desaprendeu a se subjugar. Não há nenhum mal na vida para
aquele que bem compreendeu que a privação da vida não é um mal. Saber morrer
liberta-nos de toda sujeição e imposição (MONTAINGE, 2010, p. 69).
Em
seus ensaios Montaigne (2010, p. 60)
cita Cícero que afirmava: “filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a
morte”.
IV. Filosofia para uma vida prazerosa e
equilibrada
Não
foram poucas as acusações que Epicuro recebeu em decorrência do seu pensamento
sobre o prazer. Seus contemporâneos fizeram várias acusações com relação ao seu
comportamento. Tímon (TÍMON, Apud, LAÉRTIOS, 2008, p. 283) o denomina como:
“Último dos físicos, o mais porco e mais cão, vindo de Samos, mestre-escola, o
mais ignorante dos seres vivos”. Michel Onfray em sua Contra-história da Filosofia sintetiza como Epicuro era julgado em
sua época:
Julgue-se,
pois: ele escreveu cartas licenciosas – de fato redigidas por Diotimo o Estóico
–; ele se deita com todas as mulheres de sua escola; prostituiu o próprio
irmão; coleciona prostitutas e não resiste à tentação libidinal; saqueia a
filosofia dos outros – o atomismo de Demócrito de Abdera, o hedonismo de
Aristipo de Cirene –; não é cidadão ateniense – que horror! –; frequenta os
poderosos; profere obscenidade constantemente; vomita duas vezes por dia por
causa dos excessos à mesa; gasta fortunas em alimento cotidianamente; à noite,
exerce prática de sectário; detesta todos os outros filósofos (...). Proxeneta,
ladrão, glutão, namorador, estrangeiro, grosseiro, oportunista, obsceno,
devasso (...). (ONFRAY, 2008, p. 178 e 179).
Como
dizia Aldous Huxley: “Sessenta e quatro mil repetições fazem a verdade”
(HUXLEY, 2014, p. 69). Infelizmente quando se fala do epicurismo até os dias de
hoje geralmente é com conotações pejorativas e distorcidas. Onde o prazer é
definido como desejos, práticas libidinosas e desenfreadas. No dicionário
Houaiss por extensão de sentido, as doutrinas de Epicuro ou o epicurismo são
definidos como: “o
modo de viver, de agir, de quem só busca o prazer; sensualidade, luxúria; (...)
desregramento de costumes falta de temperança, devassidão, libertinagem”
(HOUAISS, 2009, p. 781).
Contudo,
através de testemunhos significativos e de textos sobre o pensamento de Epicuro
(LAÉRTIOS, 2008 p. 285) podemos concluir que estas afirmações acima citadas não
passam de uma distorção interpretativa do seu pensamento (ONFRAY, 2008, p.
178).
Em sua carta à Meneceu, não só
refuta as acusações recebidas, mais apresenta o que é sua filosofia do prazer.
Em primeiro lugar, o prazer pode ser definido como o começo e o fim de uma vida
feliz. Por este motivo nossas escolhas são pautadas a partir daquilo que não
venha ocasionar sofrimentos físicos e nem perturbações psíquicas. Por isso o
prazer é um bem natural que deve ser buscado e adquirido desde que não traga
sofrimento. O mal também pode se tornar um bem desde que traga benefícios.
Epicuro procura avaliar todos os prazeres e sofrimentos, para daí concluir até
que ponto estes podem trazer benefícios ou danos (EPICURO, 2002, p. 35, 37, 39).
Epicuro apresenta em segundo lugar, três
formas de desejos que estão relacionados ao prazer. Existem os desejos naturais
e necessários, estes têm como função livrar o ser humano do sofrimento, a
exemplo da água quando bebida que mata a nossa sede; os desejos naturais e não
necessários que são aqueles que oferecem um tipo de prazer variado a exemplo de
alimentos pomposos; por fim, os desejos nem naturais nem necessários que
estavam relacionados ao status quo, como recebimentos de coroas, edificação de
estátuas em honra própria, etc. (LAÉRTIOS, 2008, p. 319).
Em
terceiro lugar, a prudência é a mediadora que torna propício ao filósofo uma
busca madura e equilibrada pelo prazer. O prazer e consequentemente uma vida
feliz, não se alcança de forma irresponsável e dissoluta. Mais de uma relação de
dependência intrínseca, pois: “não existe vida feliz sem prudência, beleza e
justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade” (EPICURO,
2002, p. 45).
Edson Pereira