terça-feira, 20 de junho de 2017

Multiplicidade do cristianismo



Edson Pereira


 
  Embora este assunto seja polêmico principalmente pelas Igrejas de missão e do catolicismo, que por ser um Cristianismo "oficial" depreciam e não aceitam esta avalanche de denominações que todos os dias no Brasil especificamente aparecem. Pois bem, nós muitas vezes esquecemos um pouco da história da Igreja começando pelo Genesis encontramos a história de Melquisedeque que era rei e sacerdote de uma cidade chamada Salém. Sendo que foi a este "cidadão" que o patriarca Abraão pagou o dízimo. E agora questiono, Melquisedeque conhecia a Deus? Era sacerdote? Governava uma nação? E a Bíblia nada fala acerca desta nação (que acredito com certeza conheciam a Deus), pouco também de Melquisedeque. Em outras palavras lendo os textos percebemos que estes personagens (Melquisedeque, sua nação, etc.) estão à margem. Só nos salmos e hebreus é que temos algumas releituras. Porém nada acerca da vida de Melquisedeque e de seu povo, contudo a única pista que os textos de forma secundária nos mostram é que eles conheciam a Deus. Mas nós cristãos (reformados principalmente) aprendemos desde cedo que a Igreja do A.T. é Israel. E Melquisedeque e Salém, não são Igreja?
   Para maioria dos evangélicos a Igreja começa nos Evangelhos ou de forma específica em Atos dos Apóstolos. É interessante notar nos Evangelhos que os discípulos foram interrogar Jesus porque "algumas pessoas" que não faziam parte do "círculo de discípulos de Cristo" estavam pregando, curando e exorcizando no poder de Jesus. A resposta de Jesus foi essa: “quem não é contra nós é por nós". Isto significa que "estas pessoas" são cristãs ou de forma mais clara: igreja.
  Quando olhamos  os primeiros séculos da igreja "oficial" sempre de forma marginal, pejorativa encontramos grupos que se denominam cristãos. Nas Reformas não foi diferente e hoje não é diferente. Para maioria dos historiadores (católicos) foram as Reformas protestantes a causa desta multiplicidade de denominações.
  Neste fórum quero apresentar aquilo que acredito ser à causa dessa multiplicidade.
  Essa multiplicidade é resultado de complexas e variadas formas de experiências, hermenêuticas e questões sociais (como política, saúde, pobreza, etc.) em que estes cristãos estavam e estão envolvidos no seu tempo e espaço.
   Em primeiro lugar acredito que esta multiplicidade é empírica, pois é a partir das experiências pessoais que as pessoas desenvolvem seus pressupostos, crenças, valores etc. exemplos: O apóstolo Paulo no caminho de Damasco, Agostinho quando ouviu crianças cantar orientando o mesmo por meio do canto a lê, Lutero com medo da morte, Zuínglio com a doença, etc.   
   Segundo lugar esta multiplicidade ela é resultado de hermenêuticas que levavam estas pessoas a desenvolverem no seu tempo e espaço respostas e soluções que seu contexto reclamava. O que dizer das epístolas paulinas, petrinas, joaninas será que aquelas interpretações não estavam voltadas para o contexto local ou grupos destinados? As noventa e cinco teses de Lutero também foram elaboradas para fóruns acadêmicos e não para nossa posteridade, pois Lutero não sabia o que é século 21 era homem do seu tempo.  
   Em último lugar percebo que as questões sociais sempre foi um dos motivos dessa multiplicidade. No êxodo encontramos uma nação que clamava por liberdade, na historiografia do A.T. encontramos sempre dois polos em conflito: Norte e Sul. No N.T. encontramos vários grupos: zelotes, fariseus, saduceus, sicários, bandidos messiânicos etc. Todos tanto no A.T. como no N.T. reclamando liberdade, uma economia justa, um governo justo, etc. Nos primeiros séculos da igreja foi assim, nas reformas temos os camponeses, em nossa época temos as mulheres, os negros, os pobres da América latina todos clamado por melhorias sociais na saúde, na economia, na política e por que não dizer da religião.
  Acredito que estas causas  abordadas não se esgotam, mais são apenas fruto de nossa reflexão sobre o tema abordado.

Análise literária do sagrado em Rudolf Otto


Edson Pereira



Otto afirma que a majestas é um dos aspectos do numinoso. O que caracteriza este aspecto e como ele pode ser identificado na experiência dos demônios em Marcos 5: 1-20?

    O majestas em Otto tem duas características: Primeiro o aspecto magestas provoca um sentimento ou uma sensação de impotência, nulidade, depreciação, aniquilamento e insignificância diante daquele que é a supremacia absoluta. Em segundo lugar o aspecto magestas leva o ser humano a ver a majestade suprema como ser completo, superior e que diante deste ser ele se sente um nada. 1
    Na bíblia nós encontramos vários exemplos deste aspecto majestas elaborado por Otto como, por exemplo, o capítulo 6 do profeta Isaías. Contudo nosso olhar se fixará apenas em um texto do Evangelho de Marcos. 
    No Evangelho de Marcos capítulo 5. Versículos 6-7, 10 e 122 encontramos estes dois aspectos na experiência de Cristo com um homem de Gadara. Segundo o texto bíblico este homem era atormentado por muitos espíritos malignos (Mc 5.9). Ao ver Jesus o texto diz que o homem possesso saiu ao encontro de Jesus “E, quando viu Jesus ao longe, correu e adorou-o”. É interessante notar que os verbos “correu e adorou-o” mostram o aspecto da majestas de Cristo como um ser supremo, completo, absoluto. No primeiro verbo “correu” temos a denotação de urgência, desespero, pavor ao perceber que a sua frente estava o poder absoluto a majestade suprema. O que levou o homem (ou demônios) se prostrar diante de Cristo em estado de humilhação. O evangelista diz que ele adorou a Cristo. Com isso percebemos neste gesto a mais completa valorização de Cristo como ser supremo, absoluto, completo, autossuficiente e ao mesmo tempo os demônios se sentem como um nada diante de sua majestade.
   O segundo aspecto pode ser encontrado nos versículos 7, 10, 12. No versículo 7 os demônios  apresentam-se impotentes, são tomados de espanto e medo de serem afligidos por Cristo. A presença de Cristo é avassaladora, os demônios se sentem subjugados como se Cristo pudesse naquele momento destruí-los completamente. Nos versículos 10 e 12 o verbo rogar se apresenta como expressão ou como um sentimento de completa nulidade, impotência diante da majestade de Cristo. Por isso suplicam a Cristo a permissão de migrar para os porcos.
   Conforme nossa análise do texto percebe-se o aspecto do majestas de forma acentuada e muito clara. Por isso foi possível definir pelo menos duas características dessa manifestação majestática. A primeira se caracteriza pela completude da majestade de Cristo levando os demônios a atribuírem domínio e grandeza absoluta a Cristo e a se sentirem como seres que não existem. Por fim os demônios são tomados por uma profunda nulidade e sentimento de completa aniquilação perante a avassaladora presença de Cristo.

Notas:
1.     OTTO, Rudolf. O Sagrado: os aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o racional. São Leopoldo: Sinodal/EST; Petrópolis: Vozes, 2007, p. 51-53.
2.       BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução Reina-Valera. 1. ed. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica Intercontinental do Brasil, 2010, p.1122.  

       
João Guimarães Rosa é um dos mais lidos e comentados escritores de língua portuguesa. Exímio conhecedor do universo sertanejo brasileiro, o escritor mineiro, na obra-prima Grande Sertão: veredas, expressa uma “confissão de fé”. Isso é feito por intermédio de Riobaldo, protagonista e narrador do romance. Riobaldo faz transparecer, de modo emblemático, uma espécie de fé amalgamada. Em outras palavras, a fé expressa por Rioblado é ambígua e perpassa todas as dimensões de seu viver. Tendo como pontos de partida as leituras indicadas para essa Atividade Complementar, produza uma redação (com o mínimo de 30 linhas) sobre os “meios de expressão do numinoso” perceptíveis após a leitura do texto a seguir:


    O texto de João Guimarães Rosa procura desenvolver a necessidade e a importância da religião. Necessária porque sem ela o mundo não teria possibilidade de desvencilhar do seu estado de loucura. Ela é importante porque tem instrumentos como à reza ou oração que são fundamentais para cura. Além dos instrumentos de cura da religião ela em sua multiplicidade propicia a salvação.
   Conhecedor da necessidade e da importância da religião o personagem não perde a oportunidade de buscar nas religiões o proveito necessário. Ele não se satisfaz apenas com uma religião, mas procura abertamente todas que estiverem no seu caminho com suas variadas liturgias que são retratadas por ele, por exemplo: a doutrina do seu compadre que é seguidor de “Cardéque” e a do crente Matias que em seus encontros acalorados discutem acerca do pecado, a Bíblia que é lida em voz alta, onde ora e se canta hinos. Independente das contradições religiosas. Seu desejo maior é sempre estar rezando em busca do divino poder.
   Com base nesta análise podemos perceber que seu texto tem pelo menos dois meios de expressão do numinoso.
    Primeiro Meios diretos, que se expressam de forma externa1 em atitudes, palavras, orações, hinos etc. É no cotidiano que se desenvolve, se transmite e apreende o numinoso.2 No texto de Guimarães Rosa seu personagem descreve sua fé ou crença de forma calorosa, pessoal e viva. A oração para ele é algo profundo, maravilhoso. Que produz alivio, renova as forças, porém não mata sua sede por completo. Há sempre algo novo e especial que o atrai e faz com que sempre a deseje e dependa mais e mais dela.
    O segundo são os Meios indiretos, principalmente os milagres.3 O personagem de Guimarães Rosa ver na oração uma oportunidade de experimentar o poder milagroso. Ele apresenta relatos de mulheres que por meio da reza são portadoras de prodígios. Por isso para ele o importante é desfrutar deste poder. Ele afirma que até paga mensalmente por rezas poderosas.
     Conforme o texto, percebemos que estes Meios diretos ou indiretos fazem parte da natureza do numinoso na experiência do personagem de Guimarães Rosa. Outra coisa importante no texto é a forma variada, misturada e plural do numinoso na experiência do personagem que não leva em consideração as diferenças de interpretação do divino, para ele isso não tem importância, é algo marginal, contudo há algo de comum e estar presente neste universo religioso que para o personagem de Guimarães Rosa é o mais importante, o numinoso.

Notas:
1.    OTTO, Rudolf. O Sagrado: os aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o racional. São Leopoldo: Sinodal/EST; Petrópolis: Vozes, 2007, p. 100.
2.    OTTO, Rudolf, loc. cit.
3.    OTTO, Rudolf, op. cit. p. 103.
  


Apesar de Otto partir de uma experiência cristã, acreditava que a categoria do numinoso era universal, ou seja, poderia ser aplicada a qualquer experiência religiosa, especialmente de matriz teísta. Tendo isso em mente identifique os aspectos do numinoso presentes na experiência do texto abaixo (mínimo de 30 linhas).


      Neste texto encontramos características litúrgicas de culto. Os (as) adoradores (as) começam seus ritos com hora marcada, é necessário que todos façam um bori para que possam carregar as águas ou oferendas. Segue-se um tipo de cortejo onde todos apresentam vestimentas brancas em completa reverência. Chegando ao lugar determinado chamado de Balué apresentam suas oferendas e depois cada adorador (a) se prostra em sinal de reverência. Em seguida todos começam a cantar saudando Oxalá. Logo aquelas pessoas são possuídas por ele e são conduzidas até o Balué. Lugar de respeito, onde todos agradecem pela oportunidade de oferecer suas oferendas e suplicar a benção de Odúduá para todos. Portanto podemos perceber que estes ritos seguem uma ordem, começo, meio e fim. No começo percebemos a preocupação, reverência e o cumprimento das regras estabelecidas pela divindade. Em segundo lugar temos o desenvolvimento do culto com a entrega das oferendas, adoração e cânticos. Por último temos o ápice do culto com manifestações extáticas, agradecimentos e orações.
    Este texto traz consigo um aspecto do numinoso e que são formados por duas categorias comentadas por Otto. O aspecto numinoso que encontramos neste texto segundo Otto é chamado de aspecto fascinante do nume. Este aspecto é maravilhoso, prodigioso, cativante, arrebatador sendo responsável pelo delírio e o inebriamento que é o elemento dionisíaco entre os efeitos do nume.1
    Na busca de ser tomado pelo numinoso, preenchido e de se identificar com o ser. Otto diz que são necessários procedimentos de duas categorias: a primeira é identificação mágica com o numinoso por meio dos ritos. A segunda categoria por procedimentos extáticos, xamanísticos da possessão.2
     No texto podemos perceber esta primeira categoria, as pessoas envolvidas no rito seguiam passo a passo tudo aquilo que de acordo com eles (as) era necessário par se ter uma intimidade com o numinoso. Eles (as) seguiam um horário, prepararam oferendas, fizeram procissão com roupas devidamente preparadas e em completa reverência se prostraram no lugar preparado para aquele momento entregando seus sacrifícios com súplicas, cânticos e agradecimentos.
     A segunda categoria se dar no momento em que o numinoso se apossa daquelas pessoas levando-as ao o êxtase. Estas pessoas são possuídas, tomadas pelo nume que as arrebatam. Esta experiência passar a se um fim em se mesmo, ou seja, sua completude, a maior realização dos adoradores (as) que é a união com o numinoso.
   Em nossa avaliação consideramos este aspecto fascinante do numinoso pertinente em nossa compreensão da religião. Primeiro ele exprime o desejo do ser humano de tocar, sentir, se apossar ou ser tomado pelo numinoso. Segundo o ser humano só se sente realizado, completo quando é absorvido pelo numinoso.
Notas:                                                                                                        
  1. OTTO, Rudolf. O Sagrado: os aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o racional. São Leopoldo: Sinodal/EST; Petrópolis: Vozes, 2007, p.68.
  2. OTTO, Rudolf, op. cit. p. 70.

        

A voz do Daimon




Edson Pereira


A máxima: conhece-te a ti mesmo soa desde a Aurora filosófica como um imperativo para a busca do conhecimento de si. E conhecer a si mesmo segundo esse imperativo resulta em direcionamento, sentido para a vida. Logo, conhecer a si mesmo é conhecer o que quero para minha vida. Mas a voz do Daimon ressoa retumbante: a questão não é o que você quer para a vida, mas o que a vida quer de você.