sábado, 14 de novembro de 2015

Solidão


Edson Pereira

                          Vivemos em sociedade e acredita-se que é impossível viver isolado dela. A sociedade é anterior ao indivíduo e só na sociedade o indivíduo encontra sua identidade e razão de ser. É na sociedade por meio de seus mecanismos ou leis, morais, jurídicas que encontramos códigos de  como deve ser a vida, a conduta de todo aquele que surge das suas entranhas e nela é inserido. Significa dizer que a sociedade por meio de seus mecanismos dita, controla a vida dos seus cidadãos diretamente e indiretamente. Por isso, é comum dizer que fulano, é fruto de sua época ou tempo. O que ponta para a ação e influência da sociedade.  
                            Contudo, na tradição filosófica temos a solidão como um contraponto não no sentido de separação plena, absoluta do convívio social como alguns grupos religiosos do Ocidente e Oriente. Mas no sentido de distanciamento para o cultivo de si mesmo, da autoanálise, autocritica, de uma reflexão voltada para homem psíquico. Poderíamos dizer que é na solidão que conhecemos a origem de nossas crenças, costumes, visões. É nela que nossa individualidade e caráter são revelados e depurados. É na solidão que conhecemos nossas intenções, valores. É na solidão que nossos demônios e sombras interiores que vivem a margem da sociedade se mostram, se revelam.
                            A solidão em nossa sociedade é vista como algo doentio, depressivo, estranho e antissocial. A boa filosofia afirma que a solidão é necessária, fundamental. A solidão mostra ao ser humano quem ele é. Na solidão não tem como se esconder da realidade, não tem como fantasiar, ás máscaras sociais em busca de apresentar uma falsa aparência não serve, é inútil, vazia, sem forma. Só resta o que é. O que somos. Não existem mais bengalas para nos apoiarmos, apenas nós mesmos. Na solidão temos oportunidade rara e única de usarmos óculos com duas lentes: uma permite ver a nossa vida em sociedade e conhecer sua ideologia. A outra vê nossa vida interior, psíquica e  visa mostrar a nós mesmos quem somos.
                            Nesta perspectiva a solidão é para quem aprendeu a conviver consigo mesmo uma fonte. Que encontra em si tudo aquilo que precisa. Que aprendeu a conviver com suas potencialidades e aceita humildemente suas debilidades. Que sabe conviver com seus demônios e sombras interiores e por esta razão integra-os a sua vida. Que aprendeu a andar com seus próprios pés em meio a uma sociedade massificadora, em série e gregária. E que é possível ser único, singular, mesmo convivendo em uma sociedade massificadora e alienante.     
         

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Graus da Moral

Por Nietzsche

A moral é em primeiro lugar um meio para conservar a comunidade e para preservá-la de sua destruição; em segundo lugar, é um meio para conservar a comunidade em certo nível e para lhe guardar certo valor. Os motivos de conservação são o temor e a esperança, motivos tanto mais poderosos e tanto mais grosseiros quanto a inclinação para as coisas falsas, exclusivas está ainda muito viva.

É necessário servir-se aqui dos meios de intimidação mais espantosos, uma vez que os meios mais benignos não fazem efeito algum e porque essa dupla maneira de conservação não pode ser atingida de outra forma (um desses meios mais violentos é a invenção de um além com um inferno eterno).Sente-se a necessidade das torturas da alma e dos carrascos para executar essas torturas.

Outros graus da moral, outros meios para chegar ao objetivo indicado são representados pelos mandamentos de um deus (como a lei mosaica); outros ainda, graus superiores, pelos mandamentos de uma ideia do dever absoluto com o famoso "tu deves". - Esses são os degraus, grosseiramente talhados, mas degraus largos, visto que os homens não sabem ainda pôr seus pés em degraus mais estreitos e mais delicados.

Em seguida vem a moral da inclinação, do gosto, e finalmente aquela da inteligência - que está acima de todos os motivos ilusórios da moral, mas que se deu conta de que por muito tempo não foi possível para a humanidade ter outros.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Conversa teológica entre pai e filho.


Por Rubem Alves

Filho: Papai, por que é que nós vamos a igreja?

Pai: Porque a igreja é a casa de Deus.

Filho: Mas as igrejas são muitas. Qual delas é a casa de Deus mesmo? Ninguém pode morar em muitas casa ao mesmo tempo...

Pai: Deus pode. Ele mora em todas as casas ao mesmo tempo.

Filho: Ele mora inteiro em cada uma delas ou é só um pedaço?

Pai: Mora inteiro. Deus não tem pedaços.

Filho: Se a igreja é a casa de Deus, que dizer que, fora da igreja, Deus não mora?

Pai: Não. Deus mora em todos os lugares.

Filho: Também na Lua, e nas estrelas e nas montanhas e nos desertos?

Pai: Sim. Também na Lua e nas estrelas e nas montanhas e nos desertos.

Filho: E na nossa casa? Deus mora lá também?

Pai: Na nossa casa Deus está sempre.

Filho: Se Deus está sempre na nossa casa, na Lua e nas estrelas e nas montanhas e nos desertos, então todo lugar é casa de Deus. Se todo lugar é casa de Deus, por que é necessário ir à igreja para encontrar Deus?

Pai: Na igreja Deus é mais poderoso.

Filho: Então, há lugares em que Deus é mais poderoso e outros lugares onde é ele é menos poderoso?

Pai: Sim, há lugares onde Deus é mais poderoso. Nos lugares onde Deus é mais poderoso é mais fácil acontecer milagres. É por isso que as pessoas de fé fazem longas peregrinações a pé, a cavalo, de ônibus, de avião, aos lugares onde Deus é mais poderoso, para receberem milagres.

Filho:É pra receber milagres que as pessoas procuram Deus? Se Deus não fizesse milagres as pessoas continuariam a procurar Deus?

Pai: Bem...

Filho: O Deus mais fraco é o mais fraco mesmo? Ele é mais fraco que o Deus mais forte? Então o Deus mais forte é mais Deus que o Deus mais fraco? Reza que se faz em casa é mais fraca? Deus atende menos?

Pai: ...

Filho: O Deus mais fraco é tanto Deus quanto o Deus mais forte?

Pai: Sim. Ambos são Deus.

Filho: Eu pensava que Deus era forte sempre, igual, na Lua, na rua, na igreja, na casa, na favela, nas prisões. Deus está também nas prisões?

Pai: Deus está em todo lugar. Também nas prisões.

Filho: Se Deus é tão forte e pode fazer tudo o que deseja, por que ele não faz os maus ficarem bons? Se Deus está junto com eles, nas prisões, eles deveriam ficar bons...

Pai: Isso eu não sei...

Filho: Eu gostaria que Deus estivesse com mesma força em todos os lugares. Se Deus é todo-poderoso e sabe todas as coisas, ele não poderia ter enviado o tsunami, os furacões, os terremotos, a corrupção? Vejo, na televisão, homens corruptos fazendo peregrinações...

Pai: Filho, estou com fome. Vamos comer um hambúrguer com Coca-cola?  

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Reconstruindo a Torre de Babel


Edson Pereira

No relato mítico da Bíblia, Deus, por não aceitar a ideia humana de construir uma torre que visava tocar os “Céus” frustra esse plano quando confunde (Babel) as línguas humanas que permitiam o entendimento, o diálogo, a convenção, compreensão para a execução desse plano altivo – alcançar os “Céus” e preservar uma única língua. O que culminou em dispersão por causa da confusão causada. Ninguém entendia ninguém.
                    Vivemos essa babel nacional, regional, local. Provocadas seja pela formalidade linguística que se impõe ou pelos preconceitos regionais. Consequências de um castigo Divino. Contudo, o ser humano inconformado com seu estado de confusão (Babel) transgride a lei divina e cria meios de reconstruir sua torre na integração de uma linguagem que seja contextual, clara, compreensiva e dinâmica.
Por isso, destacamos a semiótica como uma busca de compreender este emaranhando de linguagens que se apresentam em signos, ícones, símbolos. E dar ao homem ferramentas que permitam decifrar estes códigos complicados. Além disso, temos a linguística aplicada como um aliado fundamental. Ela busca na contextualidade e multiplicidade da linguagem compreender em diferentes contextos comunicativos, interativos e com a semiótica reconstruir a Torre e assim facilitar a comunicação humana e sua interação social.       

domingo, 1 de novembro de 2015

Por uma língua encarnada


                            

 Edson Pereira

                  As palavras não são apenas conceitos, ideias, frases, orações, termos, etc. Elas são um resultado de uma construção cultural, social, histórica psicológica e contextual. Foram criadas não para serem dissecadas em laboratórios gramaticais. Mas para atenderem o consumo das demandas culturais e sociais que viabilizassem intercâmbios, interações que culminassem em práticas facilitadoras para vida do ser humano em geral em todos os seus aspectos.  E nisso se constitui a língua encarnada.
                   Por essa razão a língua encarnada busca na vida, no cotidiano, no comum, nas variedades, e multiplicidades linguísticas dá forma, vida, carne, corpo a linguagem que em geral se tornou algo abstrato, sem vida, um defunto que em nada está relacionado com o cotidiano. E apenas os especialistas são os únicos habilitados no estabelecimento da linguagem tornando-a um patrimônio exclusivo destes cientistas.
                   Não é de se estranhar que ao longo do tempo a língua encarnada foi e é tradada como algo marginal espúrio, pobre, sem importância por que buscava não nos conceitos abstratos, mas na vida, na sociedade, o valor e a importância da linguagem que só pode ser vivida e praticada quando encarnada.