quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Diário de um dissidente



Sapientia




Nunca poderia imaginar.
Que na biblioteca municipal de Monteiro,
Minha cidade natal.
Um pequeno livro de mitos e lendas do Brasil,
Levaria um dia... Um menino paraibano da periferia,
Estudar religião, mito e filosofia em Recife capital.

Isto nem eu, meu pai, minha mãe, e toda família sabia...
Só a vida com seus caminhos misteriosos e nebulosos,
Pode nossos sonhos e desejos ultrapassar,
Só pra lembrar, como diz o texto sagrado:
O que o olho não viu, nem ao coração subiu:
É o que Deus preparou, por isso muitos dizem: pode esperar.

O tempo passou... O menino cresceu....
Muita coisa aconteceu...
A marca, da leitura da biblioteca, no inconsciente ficou.
Religião, mitologia e filosofia,
Um dia como feitiço: o fisgou,
E sua vida metamorfoseou...

E nesta busca se lançou...
A experiência religiosa foi fonte propulsora,
Nasceu de uma questão última,
Na história e antropologia,
Vai logo encontrar:
Que a religião foi à primeira forma da existência interpretar,

A interpretação está nas narrativas que chamamos de mito,
É só ler estas narrativas:
E o que existe de mais profundo e belo nelas você vai encontrar,
Leia: Homero, Hesíodo e Sófocles,
 Adão e Eva e depois veja:
Que tudo que toca nossa vida e natureza no mito podemos achar.

Depois vem a filosofia (Cartesiana).
Com sua racionalidade iluminada,
Cristalizada e fria.
 Busca desmitificar e desmitologizar:
Tudo aquilo que se chama de mitologia,
Contudo ela só “desalumia”.

Pobre da filosofia que até hoje sofre,
E padece em agonia:
Porque a sociedade atual mesmo sem saber: vive de mitologias.
Isso é um pequeno diagnóstico,
Para que a grande razão entenda,
 Que ela é parte de um corpo – agora tome de Zaratustra a reprimenda.

Seria injusto apresentar da filosofia apenas esse lado,
Ela que nasce do espanto e da dúvida:
E seu maior objetivo é a busca da realidade,
E neste sentido como a religião e a mitologia:
A filosofia está entranhada:
De toda questão última pela existência imputada.

“O que sei é o que nada sei”, já dizia o ditado.
E eu, que no cariri paraibano fui criado:
Nunca poderia imaginar...
Que um livro de mitos e lendas do Brasil,
Pudesse marcas profundas num filho de pescador deixar,
E hoje pode acreditar religião, mito e filosofia:
É uma sapientia que todo ser humano assim como eu mesmo sem saber tenta encontrar.  


Edson Pereira

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Diário de um dissidente



De que lado você está?



De que lado você está? Muita gente já mim indagou. Contudo, eu pergunto: porque só estes dois lados? Só existem eles? Eles são capazes de abarcar toda a complexidade, ambiguidade, contradição que envolve todas as dimensões da existência humana?
Vou tentar apontar: não um lado, mas vários lados. E desde já responder que os meus lados, não tem nada haver com estes dois lados – tanto do ponto de vista – acadêmico, antropológico, científico, educacional, econômico, epistemológico, ético, filosófico, histórico, metodológico, moral, político, religioso, social, teológico: se faltou alguns nomes me perdoem!  Só um pouco de conceito criado por estes dois lados reducionistas da vida, do todo, da verdade e de todo o conhecimento que envolve a existência humana.
Meus lados surgiram destes dois lados: que ao transitar por eles percebo aquilo que pode existir de mais dogmático e metafísico e que se impõe a todas as dimensões da vida cultural como: verdade dita, pronta, acabada, sem nenhuma reticência. E hoje, por causa destes dois podemos perceber como está a vida humana e do cosmo: um caos em todos os sentidos.
Por isso vou falar dos lados, que assim como eu, se contrapõe a estes dois lados. E nestes lados estarão claros, nítidos, explícitos pressupostos de uma tradição filosófica- profética que escorre e percorre (meu sangue) por todos os pontos de vista que apresentei no segundo parágrafo.
Estou do lado do órfão e abandonado que precisa de acolhimento, cuidado, amor e de um lar e assim ter uma boa formação para uma vida plena.
Estou do lado da viúva que mendiga o pão trabalhando duro para manter seus filhos e espera melhores condições de vida.
Estou do lado do trabalhador, que sonha todas as noites com melhores condições de vida para si e sua família, e pela manhã, nutrido deste sonho sai em busca de sua realização.
Estou do lado do mendigo, daquele que pede um pedaço de pão, e que denuncia com sua própria vida e condição: a miséria que o sistema político e econômico tem transformado a vida de milhares de seres humanos.
Estou do lado dos meus irmãos e irmãs que diante da guerra e do terrorismo que lhes roubou tudo aquilo que durante anos, gerações: foram o cimento da vida e de sua cultura. E agora se lançam no mundo em busca de apoio, solidariedade e abrigo na busca de recriar e recomeçar uma nova vida e novos horizontes.
         Estou do lado daqueles que sofrem dos horrores da violência, injustiça e corrupção que solapam o mundo, e o Brasil, como Estado, como Nação.
Estou do lado dos dissidentes, dos heréticos, dos subversivos, dos politicamente incorretos que buscam a marteladas destruir todo discurso institucionalizado, dogmático que tem alienado o ser humano de si, do outro e do fundamento do ser – Deus (para aqueles que acreditam claro!).
Estou do lado do pobre, daquele (a) que busca todos os dias sair da escravidão provocada pela pobreza que constantemente lhe esmaga, mesmo sem saber a causa (?), alimenta o desejo de um mundo mais justo onde todo ser humano possa viver dignamente.
Estou do lado daqueles que estão cansados, abatidos e sobrecarregados: pelos ídolos do mercado científico, econômico, filosófico, político, religioso que se impõe descaradamente em nome de crenças e ilusões criadas com alcunha de verdade.
Estou do lado do religioso confuso, duvidoso, em crise, com tudo aquilo que lhe foi injetado na consciência em nome de Deus, mas que hoje entende que a questão da existência vai além de dogmas e doutrinas cristalizadas.
Estou do lado daqueles que perderam tudo, inclusive o sentido da vida e hoje em meios aos escombros buscam reinventar suas vidas e histórias.
Estou do lado de todos os marginalizados pelas instituições e moralidades vigentes que remando contra tudo e todos permanecem na luta pela liberdade em todas as dimensões da existência.
          Estou do lado daqueles (as) que por causa da cor, orientação sexual fogem dos ditames de uma moral castradora.
Estou do lado do doente, do fraco que todos os dias lutam pelo restabelecimento de sua saúde.
Estou do lado daqueles (as) explorados, estuprados, abusados, maltratados e que até hoje não conseguiram se livrar dos traumas e demônios que lhe perseguem na memória e no corpo.
Estou do lado dos sem vozes, ouvidos, olhos, pernas e braços, tanto no sentido literal, como político destas palavras.
Estou do lado da vida, da natureza, do universo que clama pela libertação das amarras e grilhões dos homens perversos, insaciáveis do poder, destruição e sangue.
Estou do lado do cientista que busca fazer uma ciência que contribua para o bem estar humano e de todo ecossistema.
Estou do lado de uma educação criativa, em expansão, humana, solidária, crítica e libertadora.
Estou do lado dos sem rostos, dos anônimos que foram suplantados e sufocados por todos esses sistemas heterônomos, mas que das entranhas de suas almas estão impressos, marcados pelos seus ideais – que nenhum sistema pode lhes arrancar.
Sei que faltaram vários lados e que outros vão surgir... Devem ser meus devaneios! Mas se estes convergirem para os lados que foram acima apresentados para estes digo: estamos juntos, estamos do mesmo lado. Pronto: é desses lados que estou. Mais alguma pergunta?

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

A liberdade do Logos, Pathos e Ethos



Edson Pereira

  A vida humana não é meramente bios, mas um ser, constituído de existência. Primeiro por que a sua existência é forjada a partir de uma cultura (ou culturas) com costumes, línguas, códigos de conduta, religião, etc. Segundo, este ambiente cultural por ser anterior é também exterior ao ser humano que ao nascer encontra tudo “pronto e acabado” e lhe transmite inconscientemente uma sensação de que tudo aquilo por ele visto e experimentado é “normal”.
            Contudo o ser humano é um logos, ser racional, crítico, condenado a pensar e a questionar, por isso usa a linguagem para comunicar – transformar o logos em linguagem – o que pensa. Outra característica do ser humano é o pathos – paixão, emoção - agir impulsivamente. É ethos – conduta, comportamento – é caminho que deve ser seguido.  
            Porém em decorrência da força ideológica da cultura essas características – logos, pathos e ethos – podem ser controladas ou até mesmo reprimidas. A liberdade que é peculiar ao ser humano a partir dessas características pode se tornar uma prisão marcada ou formada a partir de estereótipos que mascaram a realidade do ser humano.
 Cria-se uma imagem de mundo totalmente diferente da realidade. E o senso comum generalizado se encarrega de tornar as coisas como se elas fossem sempre assim, condenando logos, pathos e ethos a uma realidade totalmente diferente da sua essência.
Por isso o ser humano entra em crise. Seu interior - personalidade e caráter – mesmo que sejam forjados a partir da cultura que lhe incute o que pensar, fazer e se comportar é insuficiente. Ele questiona os valores e dogmas estabelecidos que até então nunca foram questionados.
Razão e empiria se juntam em busca de alcançar a liberdade que é peculiar ao ser humano. Neste contexto a alteridade permite uma reflexão tanto interna como externa do ser. 



terça-feira, 15 de agosto de 2017

Pássaros e flores


Edson Pereira

Não vos preocupeis por vossa vida, com o que comereis, nem por vosso corpo, com o que vestireis. A vida não vale mais do que alimento, e o corpo, mais do que a roupa? Olhai os pássaros do céu: [...]. Não valeis vós muito mais do que eles?[...] Aprendei dos lírios dos campos [...]. (A Bíblia tradução ecumênica, 2002, p. 1199).

Esta é uma das narrativas mais lindas dos evangelhos, como também de uma profundidade existencial impressionante.  Ela aponta para um sintoma existencial. É dentro desta perspectiva que iremos tratar da questão relacionada à preocupação e ansiedade (merimnaõ) que afeta a vida humana.
E nosso objetivo é apenas tomar o texto como reflexão para analisar o problema da preocupação e ansiedade. Logo o problema relacionado à transcendência não será tomada em questão, apenas os fenômenos perceptivos, imanentes a existência humana apontados no texto. Texto de uma beleza e multiplicidade literária que permite vários olhares. O nosso já apontamos. Agora iremos segui-lo...
 Para a sua manutenção, a vida precisa ser alimentada, nutrida. É o alimento que permite sua conservação. É o que acontece com todo ser humano. Ninguém sobrevive muito tempo sem comida e nisto incluímos a água. Outro elemento cultural que o ser humano criou para sua proteção e bem estar foi à roupa. Ela é necessária para nossa vida social. Contudo, quando a preocupação e ansiedade bate a porta de todo ser humano, principalmente no que concerne a manutenção da vida, alimentação; e por roupas, que  garante proteção e sociabilidade o olhar humano perde-se do tempo presente, do hoje, do agora, e se desloca: para o futuro. O futuro é aquilo não vivido, não experimentado.
Mas para um pai de família, por exemplo, ao olhar para a sua dispensa e perceber que não tem nada de alimento para ele e sua família. Além disso, nota que seus filhos precisam de roupa e calçado e ele sem dinheiro, desempregado diante de tantas limitações fica sem expectativa. Não é razoável ele se preocupar e ficar ansioso? O que fazer numa hora destas quando a fome e a nudez começar a bater em sua porta? Quando olhamos para frente, ou seja, para aquilo que ainda não foi vivido, não estamos neste momento olhando para o futuro? E nos perguntamos: como será a vida daqui para frente sem comida e roupa? O futuro, o inexistente, toma uma forma de imagem que se manifesta como se fosse o hoje afetando drasticamente nossa vida.
Contudo, o que é mais importante? O alimento ou a vida? A roupa ou o corpo. A vida e o corpo estão acima da comida e da roupa embora delas necessite. Por que a vida e o corpo, e neste sentido, a existência perpassa todo comer e vestir. A existência humana não sobrevive apenas do comer e do vestir.
 Ao olhar para a vida dos pássaros percebemos que estes não exercem nenhum esforço para a obtenção de alimento e sustento. Ao olhar a vida humana, qual deste pode retardar a sua morte, isto é, ter o controle total da sua existência? Ao olhar as flores que naturalmente sem nenhum esforço exalam tanto cheiro, cor e se vestem de tanta beleza que sobrepuja e muito todo estilo de roupa e pompa criada pelas mãos humanas, mas que em termos de existência são ínfimas em relação ao homem. No que se refere a valor, a importância. O que vale mais? O que é mais importante? O seres humanos ou os pássaros e as flores?
Ora, se os pássaros e flores vivem o hoje, o sempre, o agora sem necessidade de fazer ou criar alguma coisa para lhe dar uma garantia do futuro. Por que se preocupar e se angustiar com o futuro, com o dia de amanhã: que é incerto, abstrato, imagético e que neste sentido não existe? Isto não significa deixar de sonhar, de se projetar, significa que a vida e o corpo – nossa existência – não pode se perder e ficar presa num futuro que tem como sintoma a preocupação e ansiedade. Que não muda nada, não transforma nada. O que faz é apenas isolar o ser humano de si e do mundo a sua volta. Ele perde de desfrutar o que ele tem de mais belo, dinâmico, precioso e misterioso: a vida que somente no corpo se manifesta e se concretiza.      
  
        

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Homem mitológico


Edson Pereira

 O que define o ser humano como ser humano? Os mitos são a forma mais antiga e bem elaborada de definição, isto se, a palavra definição, que implica em exatidão de sentido e abstração possa abarcar toda ambiguidade, complexidade, profundidade que traspassa e limita todas as tentativas: antropológicas, científicas, filosóficas, históricas, psicológicas, sociológicas e teológicas que ao longo do engendramento de definir o ser humano como ser humano caíram nas teias do dogmatismo frio, fechado e enclausurado. Estas tentativas criaram sistemas e epistemologias que tornaram o ser humano um hiato de si e do outro perdido em meio ao vazio, ou num limbo existencial.
 No mito, o ser humano tem uma origem ambígua. Ambiguidade que se expressa em todas as dimensões da sua existência: imanência ou existência? Nisto consiste a complexidade humana derivada de diversos fatores culturais que lhes moldam e transfiguram a sua existência de acordo com as teias ou modelos dogmáticos, sistemáticos e epistemológicos que buscam suspender o ser humano em “fôrmas”, categoriais que podem descrever e, portanto definir o que é ser humano. Esquecem que as profundas e infindas lacunas no e do ser humano permitem uma aproximação e não definição. Na cosmogonia dos mitos temos a origem, o germe do ser humano, não sua forma definida, acabada. No mito babilônico, Gilgamesch é um belo exemplo da busca humana por respostas existenciais que até hoje são aporéticas: Qual é a origem humana? O que é o ser humano? Como o ser humano pode ser definido?
  Prefiro a epistemologia mitológica de ser humano do que todas as formas epistemológicas de definições que encasteladas em si provocaram uma cisão no ser humano. Assim como o herói da mitologia babilônica em sua tentativa de alcançar a vida eterna teve sua eternidade roubada pela serpente. A serpente ilustra perfeitamente a finitude e limitação para a compreensão do todo e que a verdade não pode ser apreendida plenamente.  
          Diferente das formas e “fôrmas” definidoras e definitivas de ser humano que se impõe nas diversas ciências, o ser humano na epistemologia mitológica é indefinido, ambíguo e indecifrável. Ele fala apenas de um começo, de desdobramentos existenciais e não de um telos, de um fim.