Edson Pereira
Não vos
preocupeis por vossa vida, com o que comereis, nem por vosso corpo, com o que
vestireis. A vida não vale mais do que alimento, e o corpo, mais do que a
roupa? Olhai os pássaros do céu: [...]. Não valeis vós muito mais do que eles?[...]
Aprendei dos lírios dos campos [...]. (A Bíblia tradução ecumênica, 2002, p.
1199).
Esta
é uma das narrativas mais lindas dos evangelhos, como também de uma
profundidade existencial impressionante.
Ela aponta para um sintoma existencial. É dentro desta perspectiva que
iremos tratar da questão relacionada à preocupação e ansiedade (merimnaõ) que afeta a vida humana.
E
nosso objetivo é apenas tomar o texto como reflexão para analisar o problema da
preocupação e ansiedade. Logo o problema relacionado à transcendência não será
tomada em questão, apenas os fenômenos perceptivos, imanentes a existência humana
apontados no texto. Texto de uma beleza e multiplicidade literária que permite
vários olhares. O nosso já apontamos. Agora iremos segui-lo...
Para a sua manutenção, a vida precisa ser
alimentada, nutrida. É o alimento que permite sua conservação. É o que acontece
com todo ser humano. Ninguém sobrevive muito tempo sem comida e nisto incluímos
a água. Outro elemento cultural que o ser humano criou para sua proteção e bem
estar foi à roupa. Ela é necessária para nossa vida social. Contudo, quando a
preocupação e ansiedade bate a porta de todo ser humano, principalmente no que concerne
a manutenção da vida, alimentação; e por roupas, que garante proteção e sociabilidade o olhar
humano perde-se do tempo presente, do hoje, do agora, e se desloca: para o
futuro. O futuro é aquilo não vivido, não experimentado.
Mas
para um pai de família, por exemplo, ao olhar para a sua dispensa e perceber
que não tem nada de alimento para ele e sua família. Além disso, nota que seus
filhos precisam de roupa e calçado e ele sem dinheiro, desempregado diante de
tantas limitações fica sem expectativa. Não é razoável ele se preocupar e ficar
ansioso? O que fazer numa hora destas quando a fome e a nudez começar a bater
em sua porta? Quando olhamos para frente, ou seja, para aquilo que ainda não
foi vivido, não estamos neste momento olhando para o futuro? E nos perguntamos:
como será a vida daqui para frente sem comida e roupa? O futuro, o inexistente,
toma uma forma de imagem que se manifesta como se fosse o hoje afetando
drasticamente nossa vida.
Contudo,
o que é mais importante? O alimento ou a vida? A roupa ou o corpo. A vida e o
corpo estão acima da comida e da roupa embora delas necessite. Por que a vida e
o corpo, e neste sentido, a existência perpassa todo comer e vestir. A existência
humana não sobrevive apenas do comer e do vestir.
Ao olhar para a vida dos pássaros percebemos
que estes não exercem nenhum esforço para a obtenção de alimento e sustento. Ao
olhar a vida humana, qual deste pode retardar a sua morte, isto é, ter o
controle total da sua existência? Ao olhar as flores que naturalmente sem
nenhum esforço exalam tanto cheiro, cor e se vestem de tanta beleza que
sobrepuja e muito todo estilo de roupa e pompa criada pelas mãos humanas, mas
que em termos de existência são ínfimas em relação ao homem. No que se refere a
valor, a importância. O que vale mais? O que é mais importante? O seres humanos
ou os pássaros e as flores?
Ora,
se os pássaros e flores vivem o hoje, o sempre, o agora sem necessidade de
fazer ou criar alguma coisa para lhe dar uma garantia do futuro. Por que se
preocupar e se angustiar com o futuro, com o dia de amanhã: que é incerto,
abstrato, imagético e que neste sentido não existe? Isto não significa deixar
de sonhar, de se projetar, significa que a vida e o corpo – nossa existência –
não pode se perder e ficar presa num futuro que tem como sintoma a preocupação
e ansiedade. Que não muda nada, não transforma nada. O que faz é apenas isolar
o ser humano de si e do mundo a sua volta. Ele perde de desfrutar o que ele tem
de mais belo, dinâmico, precioso e misterioso: a vida que somente no corpo se manifesta e se concretiza.
Texto ótimo, muito profundo...
ResponderExcluirReflexivo e o mesmo tempo exato, absoluto.