terça-feira, 15 de agosto de 2017

Pássaros e flores


Edson Pereira

Não vos preocupeis por vossa vida, com o que comereis, nem por vosso corpo, com o que vestireis. A vida não vale mais do que alimento, e o corpo, mais do que a roupa? Olhai os pássaros do céu: [...]. Não valeis vós muito mais do que eles?[...] Aprendei dos lírios dos campos [...]. (A Bíblia tradução ecumênica, 2002, p. 1199).

Esta é uma das narrativas mais lindas dos evangelhos, como também de uma profundidade existencial impressionante.  Ela aponta para um sintoma existencial. É dentro desta perspectiva que iremos tratar da questão relacionada à preocupação e ansiedade (merimnaõ) que afeta a vida humana.
E nosso objetivo é apenas tomar o texto como reflexão para analisar o problema da preocupação e ansiedade. Logo o problema relacionado à transcendência não será tomada em questão, apenas os fenômenos perceptivos, imanentes a existência humana apontados no texto. Texto de uma beleza e multiplicidade literária que permite vários olhares. O nosso já apontamos. Agora iremos segui-lo...
 Para a sua manutenção, a vida precisa ser alimentada, nutrida. É o alimento que permite sua conservação. É o que acontece com todo ser humano. Ninguém sobrevive muito tempo sem comida e nisto incluímos a água. Outro elemento cultural que o ser humano criou para sua proteção e bem estar foi à roupa. Ela é necessária para nossa vida social. Contudo, quando a preocupação e ansiedade bate a porta de todo ser humano, principalmente no que concerne a manutenção da vida, alimentação; e por roupas, que  garante proteção e sociabilidade o olhar humano perde-se do tempo presente, do hoje, do agora, e se desloca: para o futuro. O futuro é aquilo não vivido, não experimentado.
Mas para um pai de família, por exemplo, ao olhar para a sua dispensa e perceber que não tem nada de alimento para ele e sua família. Além disso, nota que seus filhos precisam de roupa e calçado e ele sem dinheiro, desempregado diante de tantas limitações fica sem expectativa. Não é razoável ele se preocupar e ficar ansioso? O que fazer numa hora destas quando a fome e a nudez começar a bater em sua porta? Quando olhamos para frente, ou seja, para aquilo que ainda não foi vivido, não estamos neste momento olhando para o futuro? E nos perguntamos: como será a vida daqui para frente sem comida e roupa? O futuro, o inexistente, toma uma forma de imagem que se manifesta como se fosse o hoje afetando drasticamente nossa vida.
Contudo, o que é mais importante? O alimento ou a vida? A roupa ou o corpo. A vida e o corpo estão acima da comida e da roupa embora delas necessite. Por que a vida e o corpo, e neste sentido, a existência perpassa todo comer e vestir. A existência humana não sobrevive apenas do comer e do vestir.
 Ao olhar para a vida dos pássaros percebemos que estes não exercem nenhum esforço para a obtenção de alimento e sustento. Ao olhar a vida humana, qual deste pode retardar a sua morte, isto é, ter o controle total da sua existência? Ao olhar as flores que naturalmente sem nenhum esforço exalam tanto cheiro, cor e se vestem de tanta beleza que sobrepuja e muito todo estilo de roupa e pompa criada pelas mãos humanas, mas que em termos de existência são ínfimas em relação ao homem. No que se refere a valor, a importância. O que vale mais? O que é mais importante? O seres humanos ou os pássaros e as flores?
Ora, se os pássaros e flores vivem o hoje, o sempre, o agora sem necessidade de fazer ou criar alguma coisa para lhe dar uma garantia do futuro. Por que se preocupar e se angustiar com o futuro, com o dia de amanhã: que é incerto, abstrato, imagético e que neste sentido não existe? Isto não significa deixar de sonhar, de se projetar, significa que a vida e o corpo – nossa existência – não pode se perder e ficar presa num futuro que tem como sintoma a preocupação e ansiedade. Que não muda nada, não transforma nada. O que faz é apenas isolar o ser humano de si e do mundo a sua volta. Ele perde de desfrutar o que ele tem de mais belo, dinâmico, precioso e misterioso: a vida que somente no corpo se manifesta e se concretiza.      
  
        

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