quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Diário de um dissidente

Diz-me, o teu sistema, que eu digo onde esta teu Deus, tua salvação!



A aurora é chegada! Gritava o arauto de Zaratustra, Vinda a grande hora, segundo o oráculo, ao meio dia: rompia Zaratustra da caverna – É a epifania de um novo homem, de uma nova moral, de uma nova política, de uma nova religião; um homem de potência, um homem criador, um homem além de si, e que permanece em si, diante da realidade da vida, amando-a como ela é; o velho Deus foi superado, outros deuses mais poderosos surgiram com as luzes da grande “Razão”, logo, o que sobrou foi apenas, o único que em si, reunia todos os elementos que caracterizavam a força motriz da fé: o Cristo e este crucificado. A velha cruz e o Cristo, com a erupção destes novos deuses, seria apenas um símbolo, uma ilusão, uma fábula, uma quimera. E, portanto, toda sua promessa vindoura de um céu, onde toda dor e sofrimento humano seriam suplantados e a promessa da libertação do pecado original seria cumprida; agora substituído, por um novo céu e uma nova terra, criado pela grande “Razão”, o novo “deus”.

No evangelho de Zaratustra, e de todos os escritos que foram profetizados sobre ele, O Novo Homem, ele como uma centelha, da divindade Imanente, do pneuma, da pulsão que move o cosmo, o universo e tudo aquilo que o constitui, sempre com mais potência pela afirmação da vida – é esse homem que reúne todos esses elementos que ultrapassarão o Deus velho e os novos deuses, isto é, seus sistemas, suas promessas ocas, vazias, utópicas, alienadoras; que destroem, apagam e corroem com sua heteronomia dissimulada: toda vontade de potência, de vida, de ser, de afirmação, de criação.

Tudo parecia ser conforme Zaratustra havia profetizado, mas como o vento, o pneuma – a vontade de ser, de se refazer, de se recriar criando – sopra como quer, e com o tempo sempre muda a sua voz e movimento. Anos depois... Numa batalha em Champagne, na França, um descendente da linhagem de Zaratustra, tem um colapso nervoso que doravante mudaria toda a sua trajetória, isto é, toda a sua vida. Seu castelo filosófico e teológico sucumbiu, e tomaria, com uma nova fórmula, para desenvolver um novo sistema: um Novo Ser. E assim tentar, suplantar, o Super Homem, proclamado no quinto Evangelho – o Evangelho de Zaratustra.

A resposta foi dada, e este novo pregoeiro, de uma nova doutrina, reunia elementos do Deus antigo e do Deus em potência, além do Deus que se dá, ou que se manifesta no coletivismo. Os elementos que constituíam o Deus antigo agora ressignificado, que reúne elementos transcendentes que em si e de si e para si e por si é impossível apreendê-lo. Zaratustra no final da vida percebeu a profundidade do problema, e que ia além de sua percepção, caiu num imenso vácuo e perdido neste espaço vazio, nunca mais voltou. Seu espírito, sua vontade de potência foi arrebatada e seu corpo ficou em um estado de demência, mas uma demência consciente, dolorida. E logo depois, Zaratustra entrou na escuridão da morte e não temos mais notícia do seu estado...

Contudo, o que importa é que no meio do vácuo, desse espaço vazio, que reflete o infinito e o finito, onde luz e trevas, caos e vida, onde tudo constrói e se destrói por si, de si, para si e por meio de si e em si.  Zaratustra teve uma visão: que a encarnação do Novo homem, do deus homem – Dionísio tinha uma descendência Divina, a potência que move e transforma o mundo, perpassava toda previsão e espiritualidade de Zaratustra, e isso, se explica em seu estado limite, de finitude, de angustia e de morte. 

Assombrado, com a visão, percebeu que o Deus velho, não foi ofuscado completamente de Dionísio, seu filho amado.  O filho do Deus velho reviveu: o vento da vontade de ser, soprou, e ele apodrecido pela filosofia da religião e da própria teologia, do dogma e de toda heteronomia que se impõe na moral, na política, na economia, na educação, na vida em si, de si e para si –  irrompe, ressuscita numa nova relação que inclui outro, um Novo Ser, que reúne todos os elementos: em si, de si e para si; e que se manifesta na sua relação com outro e para o outro. Agora, toda alienação individual e social e religiosa seria suplantada. Dionísio perdeu a sua força, ele não traz toda a potência, lhe falta uma parte, sua dimensão metafísica: vocifera uma voz, dentro do vácuo, para Zaratustra. Depois da visão, Zaratustra tem um colapso mental, seu espírito se perde no espaço vazio e contraditório.

A noite chegou! O Deus esquecido, o velho Deus vocifera para sua palavra adormecida, amorfa e mofada, cristalizada, endurecida, petrificada pelo sistema, que o transformaram em um Deus velho. E agora ressurge, um Novo Ser, não mais crucificado e apodrecido pelo sistema, é o que diz – a nova profecia.

Depois disso o mundo entrou em colapso. Surgem velhos e novos Deuses, mais fortes, robustos ressignificados, transformados, com mais potência, força e que contraditoriamente, caíram num vácuo, se perderam em seus castelos e escolas teológicas, filosóficas, sociológicas, científicas, etc., isto é, nos seus sistemas.

Desde o tempo, em que as mais remotas profecias sobre o homem e sua liberdade, sua afirmação para a vida em sua plenitude, teria que vencer, superar um problema que se contrapõe e, o priva de sua liberdade: uma ferida que se deu entre, a sua essência e existência, e que até hoje não sabemos a causa, a origem em si. O que sabemos, é o que a experiência diz, e que, a causa em si do problema, não pode ser descrita em sua plenitude, exatidão. Ela é uma incógnita, um mistério, que só é conhecida em parte, logo não se pode tomar a parte, pelo todo. Por isso, a linguagem como símbolo é apenas: um meio, uma forma, que aponta para além do ser em si. O que pode ser descrito é apenas seus efeitos na relação do elemento individual, social, concreto de sua existência, e com o elemento do Novo Ser, que seria a união da dimensão transcendente, com a imanente.  Trazida pelo Novo Ser, a promessa agora seria de dar ao ser humano uma dimensão chamada teonomica, onde o transcendente atua com e na imanência, na e através da história humana, logo segundo, essa nova doutrina, O Novo Ser, libertaria o ser humano daquilo que este sistema vai chamar de alienação existencial.    

Todavia, o problema continua, o ser humano está perdido em meio a tantos sistemas, propostas de salvação, de libertação do ser humano. E hoje mais do que nunca a humanidade clama, suspira, anela liberdade. Isso reflete a efervescência de novos ídolos: deuses velhos, novos e ressignificados que apresentam várias formas de Salvação, isto é sistemas. Será que o problema não é o sistema? Logo, não era o sistema, que o filho do Deus velho, agora ressignificado como Novo, que reúne em si, o transcendente e o imanente; e  Dionísio, que atua apenas numa imanência, e que faz dessa imanência, sua própria transcendência, não seria contra esse sistema que ambos lutavam?

No entanto, o panteão não para de crescer, tem deuses pra todos os gostos, e desde o iluminismo, a ciência hoje, tem proeminência, entre o panteão sagrado. Pelo visto precisamos de buscar não um sistema, com seus códigos e dogmas, mais a liberdade, que os sistemas de salvação falam. E aí esta o problema, o enigma, o mistério da liberdade e da sua restrição – alienação, pecado? – que continua colocando as corujas velhas e novas da deusa minerva, não só para trabalhar de noite, mas agora, também durante o dia. E daqui do meu lugar só vejo vácuo – um espaço vazio, um nada.  

Edson Pereira 
   


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